quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Em Django Livre, Tarantino narra história de violência no Velho Oeste escravocrata

Depois da sanguinária vingança judaica, a desforra negra nos EUA pré-Guerra Civil (1861 – 1865). Django Livre, filme de Quen­tin Tarantino que estreia nesta sexta-feira, é quase um novo Bastardos Inglórios (2009) – para o bem e para o mal.
Há uma sensação de déjà-vu desde o prólogo, que enuncia a trama a partir da sequência certeira de discurso erudito que precede a explosão de violência do personagem de Christoph Waltz – o lendário Coronel Landa do filme anterior. Há, também, aquele rigor de mise en scène típico do cinema de Tarantino, que vai muito além do grafismo das cenas mais sangrentas e que é responsável por transformar a sessão de seus filmes, qualquer um deles, num deleite para os cinéfilos.
Django Livre é uma homenagem aos filmes da onda Blaxpoitation dos anos 1970 e aos spaghetti westerns da década seguinte, especialmente a Django (1966), de Sergio Corbucci, estrelado por Franco Nero (ator-símbolo do gênero que, aqui, faz uma ponta como um senhor de escravos). Sua história, no entanto, tem uma curiosa (e vaga) inspiração na ópera Siegfried (1876), que compõe a tetralogia O Anel do Nibelungo, do alemão Richard Wagner – o que justifica as estranhas (e divertidas) referências à cultura germânica do enredo.
O Django de Tarantino (interpretado por Jamie Foxx) é um escravo que tem a liberdade comprada por King Schultz (Waltz), ex-dentista alemão que vaga pelos EUA caçando recompensas. É que Django já foi propriedade de um trio de irmãos criminosos cuja caça vale uns bons milhares de dólares, e o Dr. Schultz quer a ajuda dele para encontrá-los.
Ambos estabelecem uma parceria, que incluirá caçadas diversas e vai culminar com a tentativa de resgate de Broomhilda (Kerry Washington), a bela escrava de quem Django foi separado – e que agora obedece ao excêntrico e estúpido Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), o vilão da história. “Broomhilda?”, pergunta Schultz. Acontece que, antes, ela servia a uma família de origem alemã, por isso foi batizada com o nome que vem da mitologia nórdica e é comum na Alemanha – e, ainda, faz referência à Brünnhilde, heroína de Siegfried.
A pegada de Django Livre é a de um humor escrachado, mais nonsense do que o de Bastardos Inglórios. A trilha pontuada por rap (nas sequências mais violentas), as piadas soltas (atente para a citação a Alexandre Dumas) e as provocações ferinas (a Ku Klux Klan tem sua risível estupidez escancarada) fazem do longa uma mistura de faroeste com comédia – bem mais do que drama, para citar a categoria do Globo de Ouro na qual o filme foi incluído.
Muito longo (são mais de duas horas e 40 minutos), com um ritmo às vezes descompassado e um anticlímax problemático antes do fim, Django tem, no entanto, o mérito de expor a crueldade física e moral da escravidão. Ao apresentar os negros como mercadorias de baixo valor e, ao mesmo tempo, convivendo junto aos seus senhores brancos, Tarantino explicita ao mesmo tempo a desumanidade do sistema capitalista e a origem das tensões raciais que carimbam tão profundamente a formação cultural norte-americana.
Parece óbvio que o cineasta Spike Lee só tenha criticado a abordagem dessas tensões, em Django Livre, porque não assistiu ao filme. “A escravidão nos EUA não foi um spaghetti western de Sergio Leone; foi um Holocausto”, disse Lee. Observe que a frase atesta que ele não apenas não viu Django como também não viu, ou não lembra, de Bastardos Inglórios. 
Fonte: Zero Hora

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